quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Os bastidores de Eva Schul

De um campo de refugiados na Itália, a mestra da dança
revela o verdadeiro significado da palavra determinação


Mestra da dança contemporânea, Eva Schul 
Foto: Beatriz Ferreira/ Ateliê SPCD


Ana Cláudia Mattos
Especial de Campos do Jordão

Final de tarde do último dia 30 de outubro: a van que levava os mestres da dança convidados para o 3º Ateliê Internacional São Paulo Companhia de Dança, em Campos do Jordão, estacionou em frente ao meu prédio. Entrei e dei uma olhada geral: um pouco atrás, à janela, uma jovem senhora prestes a completar 70 anos de idade (aparenta bem menos), cabelos curtos e ruivos, olhos verdes e pela clara. Pensei: “essa deve ser brava”.

Não precisou de 24 horas para que eu percebesse que errei feio: a aparente braveza nada mais é do que uma discreta elegância de quem tem segurança na fala e uma invejável determinação. Eva Schul, bailarina que reinventou a dança moderna e contemporânea no sul do Brasil, nasceu em um campo de refugiados na Itália, no pós-Segunda Guerra, quando os pais, judeus húngaros, tinham saído de campos de concentração fugidos da perseguição nazista.

Amor pela dança - Aos três anos de idade, imigrou para Uruguai, sua primeira parada. Já aos noves anos, chegou ao Brasil para descobrir o seu amor pela dança. “Formei no balé aos 16 anos e fiz audição para o New York City Ballet (EUA), passei e entrei como bailarina estagiária”.
Eva conta que se dividia entre a escola de dança e companhia: “Nessa época no Brasil, apesar de aprender a dançar, a gente aprendia errado muitos nomes dos passos", diz.

Processos coreográficos no auditório Claudio Santoro
Foto: Edison Araya (bailarino e fotógrafo/ Ateliê SPCD)

Foi um ano dançando com o coreógrafo russo George Balanchine: “Mas ainda não era o que eu imaginava, queria algum veículo de expressão, queria falar com a minha dança”, ressalta a nossa mestra da dança.
Ela então retornou ao Brasil, entrou para a faculdade, casou e teve um filho. “Foi então que fui atrás de uma dança que eu tinha conhecido no primeiro congresso de dança no Brasil, que era a tal da dança moderna, ainda poucos faziam no Brasil, éramos expoentes, como Maria Duschenes e Renée Gumiel.”

Eva viajou para Uruguai e de lá para Argentina, onde passou alguns anos estudando Martha Graham com grandes nomes da dança da época. Voltou para o Brasil e criou um grupo de dança de estudos e pesquisas.

Nas férias, viajou aos Estados Unidos para um curso com o coreógrafo Alwin Nikolais: “Foi quando eu descobri a improvisação e a composição”, conta. Logo depois, mudou novamente para os Estados Unidos, onde permaneceu ao longo de sete anos. Nos anos 60, começava a surgir a dança pós-moderna.

Durante as férias, ministrava workshops no Balé Teatro Guaíra, no Paraná. “A primeira vez passei um mês, depois seis meses, um ano, ate que vi que não tinha mais volta para os Estados Unidos”, diz Eva.

A mestra da dança, então, introduziu a dança contemporânea no Balé Guaíra e ajudou a criar a Faculdade de Dança no Paraná. “Para dar a oportunidade para as pessoas de aprofundarem na dança, não só clássica como contemporânea.”

Em Porto Alegre - Mais tarde, Eva retornou a Porto Alegre com uma nova missão: ajudar a criar uma Faculdade de Dança. Ali ficou: há 25 anos dirige a Ânima Cia de Dança, atuando também como coreógrafa da Cia. Municipal e professora do Grupo Experimental da Prefeitura de Porto Alegre.

Toda essa emoção foi vivenciada pelos estudantes e plateia do 3º Ateliê Internacional SPCD, com a coreografia Passion Patrona. Um presente!

Eva Schul, muitos ensinamentos aos jovens bailarinos
Foto: Lívia Ribeiro/ Ateliê SPCD

Aos jovens bailarinos, Eva deixa o recado: “em primeiro lugar, pense bem no que realmente quer, faça escolhas. A dança é uma arte que exige sacrifícios, é preciso muito amor e consciência do que quer para chegar a algum lugar”, diz. “A ‘velha guarda’ era assim: quando a gente queria realmente alguma coisa, a gente conseguia porque se jogava”, finaliza.

Desliguei o gravador, mas o papo continuou: “Sabia que já fui hippie, criamos a segunda comunidade hippie do Brasil”, diz a mestra da dança. Eu: “nossa, deve ter sido uma hippie superelegante!”. Risos... Muito obrigada, Eva Schul!


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